Dilma, Lula, Aécio e Cunha num panelaço fervendo com uma pitadinha de Nietzsche e Homer Simpsons
- Ricardo Pires Calciolari
- 9 de mar. de 2016
- 4 min de leitura

“Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.”
Friedrich Nietzsche
Vivemos um momento político intenso, profundamente agravado pelas redes sociais, expresso em debates via facebook, whatsapp, twitter e outros. Como interpretar tais fatos? Vivemos uma primavera árabe dos trópicos ou são só ilusões virtuais? Novas celebridades viram memes (vide Newton Ishii, o “japonês” da Polícia Federal) e por vezes encontramos novos super-heróis (vide o Juiz Federal Sérgio Moro, o Ministro do STF Joaquim Barbosa, entre outros).
Por outro lado, a participação política e interesse por temas partidários e institucionais nunca foi tão baixa e de má qualidade. Isso leva a uma cisão entre pontos de vistas (ou você é um coxinha reacionário ou um petralha revolucionário). Dados do IBGE confirmam isso. Nas últimas eleições municipais (2012) 79% dos votos foram distribuídos em 10 partidos políticos e 21% em 19 outros. Em nível estadual e federal é notável a concentração e verticalização em torno de um número ainda menor de partidos, em especial, no PT, PMDB e PSDB (em 2010, por exemplo, cada um desses elegeu 4 governadores, totalizando 12 dos 27 estados e distrito de federal componentes da federação).
A abstenção na participação política é fato também marcante. Conforme os dados do TSE as abstenções, votos nulos e em branco tem crescido ou se mantido. Isso totalizou, em 2014, quase 30% dos eleitores. É um número alarmante e significativo: mais de 1/4 dos eleitores não manifestou seu desejo nas urnas. E isso é ainda mais significativo se compararmos com a primeira eleição pós-constituinte. O debate político é feito por pessoas desinteressadas pela política partidária e eleitoral. E o pior: de forma bastante simplória.
Mas nem tudo são espinhos. As redes sociais estão recheadas de críticas políticas, defesas inflamadas e acusações com o dedo em riste pedindo prisões. Com as recentes operações e atuações do Ministério Público, Polícia e Judiciário, novos heróis tomam corpo, impondo parâmetros de moralidade e de combate à corrupção. Alguns políticos também levantam a bandeira e põem-se no palanque a discursar sobre padrões éticos. São campeões a empunhar coroas de louros, louvados pela massa nas redes sociais, e festejam a vitória.
Lembro-me de algumas lições de história do Brasil: até hoje nenhum Presidente se manteve muito tempo no cargo sem apoio parlamentar (Vargas suicidou-se, Quadros renunciou, Jango foi derrubado e Collor sofreu impeachment). Lembro também que dos 4 nomes citados, 3 foram eleitos com slogans de campanha de combate a corrupção e moralidade. É impossível não fazer referência à música de Quadros (jingle eleitoral de Quadros) ou mesmo ao Collor (Collor, o caçador de marajás). Os heróis viraram vilões, a bela tornou-se fera.
O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), por intermédio de seus clássicos aforismos, pontuou que o homem tende a buscar no outro a solução para seus problemas e isso reforça o mito do “Salvador”. Isso transparece em suas críticas à moral cristã no clássico “O Anticristo” e na ideia de “vontade de potência” e de “super-homem”. O "super-homem" de Nietzche supera justamente essa suposta necessidade humana e chama para si a responsabilidade pelos seus atos e mudanças em sua vida e na sociedade. Mas somos “humanos, demasiadamente humanos” e aplicamos a máxima de Homer Simpsons: “A culpa é minha e eu ponho ela em quem eu quiser”.
De fato, a culpa da corrupção no Brasil não é do povo brasileiro. A culpa já foi de Vargas, de Quadros, do militares, de Collor, do FHC, de Lula, da Dilma, do PT, do PSDB, do PMDB e etc. E um herói nos salvará disso: Newton Ishii (o "japonês" da PF) baterá na porta dos corruptos e contaremos com o super apoio de um judiciário (o Moro e o Barbosa já tem até a capa do Batman, a representar a fantasia heroica). Assim, poderemos desistir de morar em Orlando ou Miami e voltar à nossa querida Pasárgada.
Precisamos rever posturas patrimonialistas e arcaicas, expressas de forma clara nas relações de emprego (observe, por exemplo, o empregado doméstico), nos preconceitos, na dinâmica da relação entre o público e o privado (lembro-me de Nelson Saldanha, da praça e do jardim). É só observar como a sociedade brasileira atual desrespeita os mais velhos, os professores e o saber teórico. Ao invés de mudar de postura e sugerir novas políticas ficamos prostrados à espera de um Salvador: ele nos exonerará de nossos pecados e nos levará ao Paraíso, basta ter fé e não desistir.
Somos como o povo hebreu no Egito, à espera de Moisés, que com seu cajado abrirá o Mar Vermelho para nos salvar da escravidão. Depois ele nos levará à Terra Santa e desfrutaremos de pão e mel no paraíso (o Brasil é sempre o país do futuro...). Enquanto isso, brincamos nas ondas amenas e batemos panelas. Eu, com minha jangada quase afundando, tento remar sozinho em busca de uma terceira margem, perdido em meio à pensamentos e intertextualidades.
Referências às intertextualidades (na ordem que aparecem no texto):
Nietzsche, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: L&PM Pocket, 2002.
_______. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
Saldanha, Nelson. O jardim e a praça: ensaio sobre o lado “privado” e o lado “público” da vida social e histórica. 2ª ed. Recife: Yendis, 1995.
Bandeira, Manoel. Vou-me embora para Pasárgada (Poema).
Rosa, Guimarães. A terceira margem do Rio (Conto).
留言