O verdadeiro golpe
- Lígia Maria de Oliveira Nazar
- 24 de mar. de 2016
- 4 min de leitura

"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos." Sigmund Freud
Em processos como o do ex-presidente da República os atos devem ser de conhecimento público, não apenas pelo interesse da coletividade, mas em respeito ao princípio da publicidade dos atos processuais e para garantir a não obstrução da justiça por uso indevido do poder.
Ademais, como bem pontuou Elpídio Donizetti, jurista, professor, advogado e membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, não se publicou os detalhes de um encontro amoroso ou algo da privacidade ou esfera íntima do investigado. Publicou-se sim fatos importantes e relevantes, que demonstram a clara intenção do governo de obstrução da justiça, crime previsto pelo Código Penal, em um nítido desrespeito ao Estado Democrático de Direito, suas instituições e Poderes (veja aqui).
O governo rasgou a Constituição Federal. Infringiu, dentre outros inúmeros dispositivos, o artigo 85 da Lei Maior que dispõe: são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais da Federação; V - a probidade na administração; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Golpe, termo tão em moda ultimamente, efetivamente ocorreu e continua a ocorrer a cada tentativa do governo em obstar investigações e julgamentos de pessoas que acreditam estar acima da lei. Os exemplos são muitos: a nomeação de um investigado pela Justiça a cargo de Ministro da Casa Civil; a ameaça do novo Ministro da Justiça Eugênio Aragão em trocar a equipe inteira da polícia federal na operação lava-jato; dentre outros.
Apenas posso classificar como hipocrisia e de um cinismo atroz o governo dizer que direitos fundamentais de investigados foram desrespeitados. Um governo marcado pelos maiores escândalos de corrupção da história, com desvios de valores que simplesmente impossibilitaram os direitos fundamentais de mais de duzentos milhões de brasileiros à educação, saúde, saneamento básico…
Neste diapasão, vale destacar que não houve e não há nenhuma afronta ao direito fundamental do voto. Tanto que o governo que legitimamente foi eleito aí está. O processo de impeachment e todos os outros são autorizados pelo Diploma Maior, regrados por lei, respeitam a ampla defesa, o contraditório e visam apurar, no caso, crimes de responsabilidade. Não se trata, portanto, de desrespeitar o voto daqueles que elegeram o atual governo, mas de apurar e, se for o caso, punir quem atua em desacordo com a Carta Magna. Não existem imunidades absolutas. Assim como um cidadão comum quando comete uma infração deve ser investigado e julgado nas sendas da lei, os representantes do povo também o serão, sem que isso represente ofensa a qualquer direito ou garantia constitucional.
O Brasil já enfrentou um processo e consequente impeachment de um presidente e, dessa forma, já tem maturidade jurídica para saber que faz parte de um Estado Democrático de Direito investigar, julgar e, se for o caso, punir. O contrário não o é, aliás, obstrução que é característica de regimes ditatoriais. Os "caras-pintadas" e todo o processo e consequente saída de Fernando Collor de Mello do Poder entraram para a história de nosso país como exemplo de fortalecimento do nosso Estado Democrático de Direito e não golpe.
Não se defende aqui golpe, partidos ou preferências políticas, defende-se, pois, o fim da corrupção em sentido amplo para a construção de um país digno para todos, a mudança de uma cultura corrupta acostumada à impunidade, que reverbera em todos os níveis da sociedade.
Para aqueles que tentam desqualificar um trabalho inteiro sério e bem feito de todas as instituições envolvidas, com amparo na Constituição Federal - que, novamente, vale lembrar, tem sido constantemente desrespeitada pelo atual governo (feriu-se o princípio da moralidade que a Administração Pública deveria ter, princípio do juiz natural, dentre outros), eu digo: os senhores tentam negar fatos com supostos vícios formais, o que não ocorreu!
A lei sempre suscitará interpretações inusitadas, inclusive para o legislador, porque, como mencionou Vicente Greco Filho citando o saudoso Ewelson Soares Pinto, “a Lei é como o samba do malandro, veste uma camisa listrada e sai por aí”.
Fato é que a atuação do aplicador do Direito tem fundamental relevância para, por meio de técnicas de Hermenêutica, adaptar e executar as normas jurídicas ao plano fático. Às vezes, mais do que a observância estrita da Lei, é necessária a interpretação do Direito e o uso do bom senso com o intuito de realmente alcançar o real significado da palavra Justiça. Deve-se analisar caso a caso, repudiando sempre o uso de fórmulas exatas e soluções massificadas, uma vez que incompatíveis com a Ciência Humana do Direito.
O juiz, nas sendas do Direito, está, sem dúvida, submetido à Lei, entretanto, deve ter como fim também a Justiça.
Aliás, tal pensamento converge com os princípios e normas contidos em nosso Diploma Maior, qual seja, a Constituição Federal de 1988, Lei Fundamental de nosso Estado.
Deve-se buscar soluções por meio de uma interpretação sistemática, orientada por princípios constitucionais. O Direito é um ordenamento e, mais do que isso, um verdadeiro sistema de normas, que deve ser observado como um todo regido pela Constituição Federal.
O hermeneuta também deve levar em consideração a história, as ideologias e as realidades sociais, econômicas e políticas do Estado para definir o verdadeiro significado do texto constitucional e, por conseguinte, das normas infraconstitucionais.
Assim, a Hermenêutica do Direito é um pressuposto com que deve atuar o aplicador do Direito, não podendo desempenhar sua atividade sem admiti-la, sob pena de mal desempenhá-la. A interpretação jurídica, em sede do nosso atual contexto político, econômico e social, é de extrema importância para a real compreensão dos fatos e boa aplicação do Direito.
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